sexta-feira, 19 de junho de 2020

Arte, Racismo e Serviço Social




Arte, Racismo e Serviço Social

Prof. Dr. Daniel Péricles Arruda (Vulgo Elemento)
Texto apresentado, em 16/06/20, no Ciclo de Lives do Serviço Social, realizado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

Há discussões tão complexas que só consigo fazê-las por meio da arte. Por isso, gostaria de apresentar-lhes um texto reflexivo para que possamos dialogar sobre arte, racismo e Serviço Social...

O que é arte? O que há dentro desse guarda-chuva? Trata-se de uma palavra pequena que contém coisas grandes. Arte é conhecimento. É caminho de passagem para outros saberes. Arte é linguagem, produz linguagens. É mediação entre o sujeito e a cultura. É caminho de acesso ao mundo interior. É um modo de fugir da realidade, mas também de encontrá-la. Arte é muitas coisas. Arte não é tudo e nem tudo pode e consegue ser arte, pois chamar de arte uma escultura, ou monumento, que representa o colonizador, é continuar violentando simbolicamente os africanos e todas as suas gerações, como a minha... E, digo mais, manter erguida a estátua do colonizador é parabenizá-lo eternamente por seu malfeito.

Estão vendo como falar de arte é difícil... Por isso, prefiro a arte que toca, que desperta a humanidade para a diversidade...

A arte tem condição de ser um instrumento sensível para adentrar ideologias racistas e, como cupim, iniciar uma revolução por dentro... A arte pode nos revelar o nosso inconsciente... A arte toca na subjetividade e produz várias outras...

A música, a poesia, a dança, o teatro, a pintura, enfim, falo de arte sem censura, todas podem ser utilizadas para despertar ou agregar valor ao sujeito, servir de espelho, para romper invisibilidades e ressignificar marcas da discriminação racial... Essas são algumas pistas para falar sobre o racismo...

Certamente, vocês já escutaram ou leram essa frase em algum lugar: “Ninguém nasce racista”. Porém, nosso país é referência em formar sujeitos racistas... São questões importantes: Como se dá a formação do sujeito racista? Por que existe o racismo?

O racismo desenvolve-se de muitas maneiras. Age como vírus. É cruel. Machuca. Fere. Perturba. Mata.

Manifesta-se nos discursos, em pequenas palavras, nos atos falhos, nos chistes, nos gestos... Ora é cordial, cínico, ostensivo, irônico, recreativo, e na essência é estrutural, como expresso em um dos meus versos:

“Porque o racismo é estruturalmente estrutural”.

“Temos que ocupar todos os lugares...

Vamos unir forças...

Vamos estudar e transformar a história...

Vamos nos manifestar, exigir e argumentar...

Mesmo sabendo que nenhum/a negro/a está imune aos efeitos do racismo,
que é estruturalmente estrutural...

Mesmo que tenha diploma, mesmo que more em área nobre, mesmo que fale inglês, árabe, francês...

O racismo sempre dá um jeitinho para nos alcançar... É só olhar direitinho...

E essa talvez seja uma de suas estratégias de atuação:
‘Mesmo que te escondas, eu te encontro.’”

O racismo é estruturalmente estrutural porque vem desde a raiz. O racismo nos ataca, seja com tiros ou com palavras, seja em direitos que nos são negados, tirados, fragilizados. O racismo é tão perverso que o sujeito que o sofre é visto como culpado. Talvez seja por isso que muitos se silenciam. Para não sofrer duas vezes.

Quem nunca ouviu algo do tipo, ao relatar que sofreu racismo: “Amiga, será?”; “Isso é coisa da sua cabeça!”; “Ai, mas tudo pra você é racismo!”; “Era só uma brincadeira!”; “Ela não é racista. É o jeito dela!”; “Não, ele jamais faria isso. Ele é casado com uma mulher negra!”; “Você tem que se tratar, amigo. Você está com mania de perseguição”.

Aqui, façamos de conta que o sujeito, ao ser desacreditado de sua narrativa, desesperado, resolva procurar ajuda profissional, e o profissional repete de um modo profissionalizado o mesmo discurso dos amigos.

Percebam como é difícil provar que o racismo existe, mesmo acontecendo de maneira escancarada.

A palavra é a prova. Se temos que provar a prova, quer dizer que temos um enorme problema a ser resolvido...

O racismo não é culpa do sujeito negro. O racismo revela o outro, que não aceita conviver com o diferente. Mas há contradições. Não dá para analisar essa questão ligando um ponto ao outro...

Parei outro dia para distrair, liguei a televisão, mas como é possível se distrair no inferno?

- Adolescente é morto dentro de casa com tiro de fuzil no Rio de Janeiro... (João Pedro);
- Criança de 5 anos morre após cair do 9o andar de prédio no centro do Recife (Miguel);
- Morte de homem negro filmado com policial branco ajoelhado em seu pescoço causa indignação (George Floyd).

Do que essas mortes nos falam? Falam que o sujeito negro é altamente descartável. Demonstram que é preciso verificar realmente se a escravização acabou ou se aperfeiçoou, principalmente no Brasil, lugar que ainda se diz: criado mudo, mulata, inveja branca. Essa vocês conhecem: Denegrir! Porque não falam debranquir?

Enfim, um país em que há leis contra o racismo, mas que ninguém é seriamente responsabilizado, que não assume ou não quer reconhecer os impactos do racismo no desenvolvimento psíquico do sujeito...

Agora, lembro-me das mães que já atendi e que relatavam ter medo de seus filhos saírem nas ruas, principalmente à noite...

Se você é mãe de filho preto, me ouça: A sua preocupação faz sentido. É o medo de perder o filho, pelo cano, pela pólvora, pelo tiro... O seu sentimento é legítimo... Por isso, é importante o diálogo, a escuta, a troca entre grupos de mães... São trilhas...

Percebo que esses são alguns elementos importantes para tratar do racismo e da arte, em nossa sociedade, bem como para tratá-los no núcleo e não nas periferias das profissões, para que possamos vê-los de modo plural e aprofundado nas disciplinas, nos projetos de extensão, na proposição de caminhos metodológicos para a construção e interação do conhecimento, na intervenção e supervisão profissional e no cuidado de si. Para isso, enfatizo que a arte é importante para provocar a mudança interior, aquela que se externaliza na cotidianidade, ou seja, a arte como modo de escuta e acolhimento do sujeito na perspectiva da educação para as relações étnico-raciais...

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